quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ainda meu poetinha..


Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.
                                                 
                                                           Vinícius de Moraes

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vinícius de Moraes

Todos são poetas à sua maneira, mas é bem possível que, se todos o fossem realmente, não houvesse mais lugar para a poesia. Porque a poesia é a amante espiritual dos homens, aquela com quem eles traem a rotina do cotidiano. A poesia restitui-lhes o que a vida prática lhes subtrai: a capacidade de sonhar. O desgaste físico e moral imposto pelo exercício das profissões, em que o ser humano deve despersonalizar-se ao máximo para atingir um índice ideal de eficiência - eis a grande arma da poesia. Depois que o banqueiro passa o dia manipulando o jogo de interesses do seu banco, vem a poesia e, na forma de um beijo de mulher, diz-lhe que o amor é menos convencional que o dinheiro. Ou o bancário, que passa o dia depositando e calculando o dinheiro alheio, ao ver chegar a depositária grã-fina, linda e sofisticada, sonha em tornar-se um dia banqueiro. E fazendo-o, invade o campo da poesia. Pois tudo é fantasia. Cada ação provoca um sonho que lhe é imediatamente contrário. Tal é a dinâmica da vida, e sem ela a poesia não teria vez.

 
       Trecho da crônica "A Parábola do Homem Rico" - Vinícius de Moraes

domingo, 25 de setembro de 2011

Soneto do Vinho

Em que reino, em que tempo e sob que silenciosa
Conjunção planetária, em que secreto dia
Que o mármore não guardou, surgiu a generosa
E única inspiração de inventar a alegria?

Ah! com outonos de ouro a inventaram. O vinho
Vermelho e ardente flui banhando as gerações
Como o rio do tempo, e em seu árduo caminho
Seu cântico nos doa, e seu fogo e seus leões.

Na jubilosa noite e na jornada adversa
Ele exalta a alegria ou suaviza o espanto.
E o ditirambo que hoje, efusivo, lhe canto

Disse-o o árabe uma vez, cantou-o outrora o persa.
Vinho, ensina-me a ver a minha própria história
Como se fora já cinza e pó na memória.

                    Jorge Luis Borges em: O Outro, O Mesmo

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Saramago

"A palavra de que eu gosto mais é não. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer não. O não é a única coisa efectivamente transformadora, que nega o status quo. Aquilo que é tende sempre a instalar-se, a beneficiar injustamente de um estatuto de autoridade. É o momento em que é necessário dizer não. A fatalidade do não - ou a nossa própria fatalidade - é que não há nenhum não que não se converta em sim. Ele é absorvido e temos que viver mais um tempo com o sim."

                              José Saramago, in 'Folha de S. Paulo (1991)'

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Fernando Pessoa

Esqueço do Quanto me Ensinaram

Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.
O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.
O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava. 
               


                       Alberto Caeiro, in Fragmentos

domingo, 18 de setembro de 2011

Antonie de Saint-Exupéry

"As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam: ‘Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas?’ Mas perguntam: ‘Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?’ Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: ‘Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado...’ elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: ‘Vi uma casa de seiscentos contos’. Então elas exclamam: ‘Que beleza!"

     Antonie de Saint-Exupéry em: O Pequeno Príncipe

sábado, 17 de setembro de 2011

Thiago de Mello

Confidência para ser gravada na lâmina da água


Caminho bem na minha solidão
porque sei de mim mesmo o que perdi.
Não tenho mais precisão de mentir.
Enfrento cara a cara o desamor
que mal me disfarcei. Não fui capaz
de ser o que sonhei. Fiquei aquém
das palavras ardentes que inventei
para que um dia triunfasse o amor.
Porque não dei, com medo de perder,
o diamante mais puro, no meu peito,
inútil de fulgor, se consumiu.


           Thiago de Mello em: Num Campo de Margaridas

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Antônio Skármeta



"A poesia não pertence a quem a escreve,
mas àqueles que precisam dela"

      (do filme "O Carteiro e o Poeta")

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Guimarães Rosa

"Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha uma velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: – Que você em sua vida toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... – que era como se Diadorim estivesse dizendo. Montamos, viemos voltando. E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele."

                                         Guimarães Rosa em: Grande Sertão: Veredas

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Cecília Meireles

"Se aplicássemos o que resta de simpatia, de caridade, de altruísmo, pensando um pouco além dos nossos próprios limites, desejando verdadeiramente contribuir para melhorar o mundo, encontraríamos algum caminho, porque todos nós, sob pena de sermos verdadeiramente imprestáveis, sempre somos capazes de realizar aqui ou ali alguma coisa de utilidade geral. "

                                                                                          Cecília Meireles

domingo, 11 de setembro de 2011

Eros e Psiquê

Já que um vento lírico soprou por aqui, não poderia ficar de fora o mito mais pungente sobre o amor. Eros e Psiquê é uma das obras de arte que mais me emociona, como igualmente me emociona o simbolismo dessas entidades mitológicas.

Eros e Psiquê de Antônio Canova
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Saudade


Saudade é um pouco como fome.
Só passa quando se come a presença.
Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco:
 quer-se absorver a outra pessoa toda.
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira
 é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

     Clarice Lispector em: Crônicas para Jovens, De Amor e Amizade 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Selinho

Minha amiga Edinha, do blog http://geraniosnajanela-edinha.blogspot.com/, espalhando sua generosidade por aqui. Obrigada, querida. Adorei!!


VAMOS ÀS REGRINHAS:
-exibir a imagem do selinho em seu blog
- postar o link do blog que indicou
- publicar as regras
- indicar 10 blogs para receberem o selinho
- avisar os indicados

Blogs que eu indico para receberem o selinho são:
http://terraparatodos.blogspot.com/
 http://palavrizando.blogspot.com/
http://fatimanascimento.blogspot.com/
http://literaturafilmeseafins.blogspot.com/
http://ceciliameireles2009.blogspot.com/
http://claricelispector.blogspot.com/
http://letraefel.blogspot.com/

 http://antesqueeudesista.blogspot.com/
http://associaçaoblogueiradeletras.blogspot.com/

 http://geraniosnajanela-edinha.blogspot/.

O Mundo



Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus.
Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
- O mundo é isso - revelou -. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chega perto pega fogo.

                   Eduardo Galeano em: O Livro dos Abraços

domingo, 4 de setembro de 2011

Saramago fala sobre o amor

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério. 

            José Saramago, in "Revista Máxima, Outubro 1990"

sábado, 3 de setembro de 2011

Chico


 Como diz uma amiga querida, chique é ser simples. Chico esbanja simplicidade no novo cd, a começar pelo título: "Chico". Simples e chique, como ele. Sem conseguir me desvencilhar da idolatria: uma foto de capa linda, em preto e branco, singela e iluminada.
Achei "Chico" o álbum mais confessional de sua carreira. Nunca encontrei tanta pessoalidade nas letras, um Chico com a alma exposta (ou um pedacinho dela). O mito se mostrando humano. O homem maduro, surpreendido por um amor jovem, nao o recusa. A chegada do amor e seus paradoxos: alegria, furor, medo e incertezas.
O disco não gravita só em torno do Chico sentimental, já o meu post sim.
Muito sábio, Chico! Nao é qualquer um que, no seu lugar, viveria uma paixão. Eu desconfio que a angústia ou o escapismo diante da inexorável passagem do tempo, aconteça com mais intensidade para aqueles que recusaram a vida, para quem viveu encastelado em si mesmo por medo da desconhecida aventura de viver.
Ao fim da viagem, a saciedade vem para quem lançou seu barco ao mar, sujeitando-se às intempéries e às brisas, colheu tempestades e amores, viu paisagens e perigos, navegou inteiro no mar diário e enorme, de lirismo, de perigo, de mistério. E quanto mais rica a viagem, mais se refaz, se constrói, se transforma o homem.
Deve ser bem melhor do que passar a vida amarrado ao cais.
           

 Vida longa e feliz, Chico!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Lewis Carroll

"- Que tipo de gente mora aqui?
 - Naquela direção, disse o Gato, apontando com a pata para a direita - mora um chapeleiro. E naquela - apontando com a outra pata - mora uma Lebre de Março. Visite qual deles quiser: os dois são loucos.
- Mas não quero me meter com gente louca - ressaltou Alice.
 - Mas isso é impossível - disse o Gato. - Porque todo mundo é meio louco por aqui. Eu sou. Você também é.
 - Como pode saber se sou louca ou não? - disse a menina.
 - Mas só pode ser - explicou o Gato. - Ou não teria vindo parar aqui. "

         Lewis Carroll in: Alice no País das Maravilhas