sábado, 23 de fevereiro de 2013

Pablo Neruda & César Franck


Sonata em La Maior - César Franck


"O elemento nascido da dor busca uma saída triunfante que não renega no vértice sua origem trantornada pela tristeza. Parece enroscar-se numa espiral patética enquanto o piano soturno acompanha repetidas vezes a morte e a ressurreição do som. A intimidade sombria do piano dá a luz mais uma vez o serpeante nascimento até que o amor e dor se enlaçam na vitória agonizante.
Para mim não havia mais dúvida de que estas eram a frase e a sonata"

                                     Pablo Neruda em "Confesso que Vivi" (comentando uma frase dita por Vinteuil, personagem de Proust, e a sonata que supostamente inspirara o autor).

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Fernando Pessoa

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as cousas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

                                        Álvaro de Campos

domingo, 17 de fevereiro de 2013

José Saramago


"(..) Mas as pessoas podem dizer: "Mas os sentimentos podem ser explicados, analisados por palavras". Sim, mas há sempre qualquer coisa que escapa, e é isso exatamente o que escapa, aquilo que é indizível, aquilo que pertence à categoria do inefável, aquilo que não pode expressar por palavras, é aí, que está o amor. O resto é a vivência de um cotidiano de duas pessoas, que vivem juntas, e que sabem que nem tudo são rosas, e que porque se querem, porque se amam, estão aí firmes, e acabou."

                                                      José Saramago em: "José e Pilar"    

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Pablo Neruda


A Palavra

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

                                     Pablo Neruda em: Confesso que Vivi

domingo, 10 de fevereiro de 2013

José Saramago


"(..) Têm razão os céticos quando afirmam que a história da humanidade é uma interminável sucessão de ocasiões perdidas. Felizmente, graças à inesgotável generosidade da imaginação, cá vamos suprindo as faltas, preenchendo as lacunas o melhor que se pode, rompendo passagens em becos sem saída e que sem saída irão continuar, inventando chaves para abrir portas órfãs de fechadura ou que nunca tiveram (..)."

                                    José Saramago em: "A Viagem do Elefante"      

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Drummond

     O Constante Diálogo


Há tantos diálogos 
 Diálogo com o ser amado
 o semelhante
 o diferente
 o indiferente
 o oposto
 o adversário
 o surdo-mudo
 o possesso
 o irracional 
 o vegetal 
 o mineral 
 o inominado


 Diálogo consigo mesmo
 com a noite
 os astros
 os mortos
 as ideias
 o sonho
 o passado
 o mais que futuro


 Escolhe teu diálogo
 e
 tua melhor palavra
 ou teu melhor silêncio.
 Mesmo no silêncio
 e com o silêncio
 dialogamos.


 Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'