domingo, 17 de julho de 2011

As nuvens


Sinto vontade de dizer que elas já são de casa. Só não digo porque algum leitor pode achar que é invenção de poeta, por ainda não saber que a poesia é a essência da verdade. De resto, eu nada invento. Digo só a verdade das coisas. Mas as minhas nuvens são como se já fossem de casa. Pois chegam todos os dias. Chegam de manhã, chegam pelo entardecer. Solenes e cheias de luz, gostam de passar bem defronte de casa. Encostado ao para-peito da varanda, perco a conta do tempo conversando com elas, ouvindo as histórias que me contam de ventos e relâmpagos, me dão notícias de águas celestes e da multidão musical de pássaros que encontram pelo caminho. Por falar nisso, há dias em que elas próprias chegam cantando, quase inaudível sussuro, esquecidas cantigas de minha infância.

Nos dias cinzentos as minhas nuvens não vêm. Desaparecem quando a noite desce. São seres que precisam de claridão. Pessoas de fé me dizem que, durante minhas ausências demoradas, elas sempre que passam, dão uma olhada saudosa para as janelas de casa, derramam um pouco de luz sobre a dança das palmeiras e das flores. Vez por outra, quando me encontram sozinho, a esperá-las, não falam nem cantam, ficam só me olhando nos olhos, querendo me descobrir o fundo do pensamento: sempre me deixam a lição de que, iguais a elas, somos seres efêmeros, por isso mesmo é preciso trabalhar na construção da beleza que perdure. Sábias e belas são as minhas amigas, as nuvens da floresta.

                              Thiago de Mello: De Uma Vez por Todas

2 comentários:

Anônimo disse...

Ícone da Literatura Amazonense, conhecido internacionalmente.Parabéns pela escolha.
Julio

Marcela disse...

Thiago é uma paixão! Canta um Brasil profundo e rico. Gracias, Júlio.