"Eu considero que, se não somos a criança que fomos, pelo menos a criança que fomos gerou a pessoa que somos." José Saramago
Vibro quando um escritor da minha preferência publica suas memórias, dando de bandeja a oportunidade de descobri-los humanos. Antes de serem mitos, foram crianças, como eu e como qualquer pessoa de qualquer lugar. As biografias também existem para desnudá-los, mas, por óbvio, é o olhar de outra pessoa.
E mesmo sabendo que as memórias - dos escritores e a de cada um de nós - não são assépticas, saboreio-as com avidez. Por mais que apareça a imagem nítida de um acontecimento da história da gente, ela estará impregnada de subjetividade, sendo, antes de tudo, a percepção do fato decorrido, e não necessariamente o fato tal qual se deu, o que a torna mais fascinante: o acontecimento e a imaginação, juntos e misturados.
Fascina-me também o arquivo das nossas reminicências. Seria impossível, conscientemente, armazenar todos os acontecimentos de todos os dias vividos. Entáo, por algum processo psiquico (nada é aleatório, já dizia o velho Freud) que só nos cabe compreender no divã, algumas memórias são guardadas coloridas, brilhantes e cheirando à novas, outras em preto e branco, há ainda as picotadas, as mofadas, as apagadinhas, quase irreconhecíveis.. tudo num embaralhamento misterioso, na qual as banais podem se sobrepor às heróicas, as antigas às recentes, numa lógica que foge à racionalidade.
Saramago deixou registradas suas memórias da tenra infância até a adolescência. "As Pequenas Memórias" estáo aí para quem quiser afagar a criança e o jovem Saramago, quem quiser, de mãos dadas com ele, aventurar-se pelas ruas de Lisboa e Azinhaga, na incrível descoberta dos mistérios do mundo. E sob a narrativa sensível e poética do escritor, descobrir o primeiro amor, a primeira perda (do irmáo), sofrer suas tragédias, algumas situações dolorosas (até traumáticas), viver deliciosas traquinagens, penetrar na sua aldeia, na sua casa, nos seus afetos e ser convidado a crescer com ele.
3 comentários:
Tenho um fascinio por memórias exatamente pela perspectiva que nos dá de perceber como homens e mulheres construiram as representações, ao longo do tempo, sobre suas histórias de vida, e ao mesmo tempo por possibilitar uma série de "leituras", ou uma série de "histórias", através das várias "memórias".Essa trama de ações cotidianas que tecem as histórias de vida me remetem a Riobaldo Tatarana "uma coisa é por ideias arranjadas, outra é lidar com pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias...De sorte que carece escolher."
Amo trocar um dedim de prosa contigo, bjsss
Retribuindo esse prazer tem selinho pra vc.
Minha amiga, é uma honra ter a sua sensibilidade transbordando por aqui. Vc só enriquece este espaço, e ainda vem acompanhada do Rosa!!!
Gracias, Edinha. Gracias pelo selinho! Amei!
bjsss.
Lindo livro .... grandes escritores podem relatar as cenas mais simplórias de uma forma tão incrível.
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