sábado, 6 de agosto de 2011

Roteiro de Ondas Curtas

"Quando se ruminam palavras, se dorme o tempo. E se alimenta seu sonho. Assim. Se revolve o mais profundo.
       Voz não é assim. Voz massacra e passa. Encanta e voa. Mas palavra cava um fosso e vira pedra sob pedra, alvar lavra que se amontoa num caminhão de seda que corre nas veias da terra.
       Voz aterra. Apregoa. Ou entoa. É grito de alerta. É canto. Palavra é canoa. Permanece solerte no músculo gelatinoso do tempo, revigorando-se quando se pensa que fenece, no sobe-desce dessa água. Flutua e não desaparece. Canora, no seu remoer de minúsculos cupins que concernem ao cerne da madeira.
        Voz é prece. Ou maldição. Palavra é remendo que se arremeda a si mesmo, se descose e encamisa. Palavra é resposta, o milagre que se renova, a fêmea que se alimenta da própria fome.
       Voz é o gomo. Palavra o inteiro bambuzal, que se lambuza no vento da luz. (...)"


                                                        José Irmo Gonring

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