terça-feira, 17 de janeiro de 2012


A Poesia

E foi nessa idade...Chegou a poesia
para buscar-me. Não sei de onde
saiu, do inverno ou do rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não
palavras, nem silêncio,
mas desde uma rua que me chamava,
desde os ramos da noite,
de súbito entre os outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.
Não sabia o que dizer, a minha boca
não sabia,
nomear,
meus olhos eram cegos,
algo me golpeava a alma,
febre ou asas perdidas,
fui me fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
brincadeira,
pura sabedoria
de quem não sabe nada,
e vi de súbito
o céu
debulhado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
atravessada
por flechas, fogo e flores
a noite agasalhadora, o umiverso.

E eu, um mínimo ser,
ébrio do vazio enorme
constelado,
à semelhança, à imagem
do mistério,
senti-me parte pura
desse abismo,
girei com as estrelas,
meu coração se desatou no vento.

                      Pablo Neruda em: Memorial de Isla Negra

2 comentários:

cirandeira disse...

Esse poema de Neruda eu ainda não conhecia, é belíssimo!
Te agradeço pela partilha e pela visita que me fizeste.

beijos

Marcela disse...

É um prazer partilhar emoções poéticas. bjs.