Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Graciliano Ramos
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PRÁTICAS PROFISSIONAIS-EDUCATIVAS E MULHERES NEGRAS: LUGARES DE EMANCIPAÇÃO?
“Compreendemos que as práticas profissionais, constituídas em um universo de mulheres negras, podem ressignificar a vida destas e proporcionar alternativas para a sua emancipação. Consideramos que estas mulheres, desde o período de escravidão, exercendo profissões como: domésticas, babás, lavadeiras e trançadeiras; (re)criam pedagogias em espaços não-formais, ou seja, conseguem elaborar formas, meios, métodos de ensiná-las a outras mulheres, elaborar conhecimentos que se tornam significativos para a prática profissional, mas também para que “apre(e)ndam” entre si, formas de ser mulher negra e superarem condicionantes sociais. Segundo Marcela Lagarde “a pesar de la solidez de los mecanismos de servidumbre voluntaria de las mujeres al poder, en ocasiones sucede que las instituciones y las ideologías no logran sus objetivos a plenitud. Entonces, las mujeres pueden rebelarse, contestar la agresión o, por lo menos, defenderse.” (2005, p. 270) (...)
Embora nos contextos atuais de flexibilização dos direitos trabalhistas e da ainda visível má remuneração, condições insalubres de trabalho, nas quais estão inseridas mulheres negras, é possível vislumbrar que elas não perderam a condição eminentemente humana do “ser mais”, como descreve Paulo Freire (2006). Tais análises, mesmo que preliminares, têm o objetivo de proporcionar o “desenquadramento” destas profissões “enquadradas” em um contexto de subalternidade, descaso, baixa remuneração, preconceito, racismo e sexismo, sabendo que estes podem “obstaculizar” a conquista da emancipação por parte das mulheres, mas a esperança permanece de que ele não as venha impedir. Mesmo que em nuances ou em formas muito peculiares, dadas em “miudezas” do cotidiano, é possível perceber que estas mulheres vêm buscando sua autonomia e construindo saberes em diferentes espaços. (...)
Outra prática, a das lavadeiras, é interessante de ser observada. Desprovidas da oportunidade de serem instruídas na leitura e na escrita, em sua totalidade, portanto, analfabetas, eram impedidas de registrarem suas histórias, mas o faziam oralmente. Nos registros escritos que encontramos vemos suas histórias contadas pelo viés do viajante, do historiador, do jornalista, do pintor... todos “de fora”, todos homens, com raras exceções.
Uma descrição significativa, do cotidiano de uma lavadeira, é a feita pelo viajante americano Thomas Ewbank no século XIX. Ele escreveu sobre as lavadeiras do Campo de Santana na cidade do Rio de Janeiro. Segundo este viajante, o lugar onde as lavadeiras estavam, era bastante animado. Ewbank diz que era possível aos policiais conterem os homens que aguardavam na fila para pegar água, evitando que um passasse à frente do outro, mas era impossível conter o “vozerio” das mulheres. Esse dado, visto que outros escritos sobre as lavadeiras também mencionavam a presença de policiais próximos a elas, aponta para algo muito interessante: não era possível conter suas conversas. Sendo assim, pode-se inferir que, se planejavam fugas, compartilhavam saberes e, coletivamente, discutiam o seu cotidiano, não era eficaz a ação de impedi-las. Segundo essas constatações podemos dizer que essas lavadeiras burlavam o sistema. (...)”
(Aline Lemos da Cunha, in revista eletrônica “Fazendo Gênero” nº8, UFC)
(Aline Lemos da Cunha, in revista eletrônica “Fazendo Gênero” nº8, UFSC)
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