terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Pablo Neruda


A Palavra

... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

                                     Pablo Neruda em: Confesso que Vivi

6 comentários:

Edinha disse...

Adoro Neruda. Obrigada pelos sobrevoos no meu cantinho, bjss

cirandeira disse...

São mesmo tão incrivelmente indescritíveis, as palavras, que às vezes nos dizem tanto, e noutras
nos levam a rebol e nos deixam mudas. E como Neruda as entendia tão profundamente!
Obrigada por trazê-lo até nós :)

beijoss

Anônimo disse...

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Marcela disse...

É um imenso prazer festejar Neruda com vcs!
Obrigada pela visita.
São sempre bem-vindos!

Oreste G. disse...

Trecho bem escolhido. Excelente.