terça-feira, 10 de setembro de 2013

Alfredo Zitarrosa

                                                                    

                                                                  GARRINCHA
                                                   Alfredo Zitarrosa
 
Lo lleva atado al pie, como una luna atada al flanco de un jinete,
lo juega sin saber que juega el sentimiento de una muchedumbre,
y le pega tan suave, tan corto, tan bello,
que el balón es palomo de comba en el vuelo,
y lo toca tan justo, tan leve, tan quedo,
que lo limpia de barro y lo cuelga del cielo,
¡y se estremece la gente, y lo ovaciona la gente!
Lo lleva unido al pie, como un equilibrista unido va a la muerte,
lo esconde -no se ve-, le infunde magia y vida y luego lo devuelve,
y se escapa, lo engaña, lo deja, lo quiere,
y el balón le persigue, le cela, le hiere,
y se juntan y danzan y grita la gente,
y se abrazan y ruedan por entre las redes,
¡y se estremece la gente, y lo ovaciona la gente!
¿Quién se llevó de pronto la multitud?
¿Quién le robó de pronto la juventud?
¿Quién le quitó de un golpe el hechizo mágico del balón?
¿Quién le enredó en la sombra la pierna, el flanco y el corazón?
¿Quién le llenó su copa en la soledad?
¿Quién lo empujó de golpe a la realidad?
¿Quién lo volvió al suburbio penoso y turbio de la niñez?
¿Quién le gritó en la cara: -Usted no es nada, ya no es usted?
El último balón lo para con el pecho y junto al pie lo duerme,
lo mira y sólo ve cenizas del amor que estremeció a la gente,
y lo pierde en la hierba, lo deja, lo olvida,
no lo quiere, le teme, no puede, no atina,
y se siente de nuevo enterrado en la vida,
y el balón se le escapa entre insultos y risas,
¡y se enfurece la gente, y le abuchea la gente!
¿Quién se llevó de pronto la multitud?
¿Quién le robó de pronto la juventud?
¿Quién le quitó de un golpe el hechizo mágico del balón?
¿Quién le enredó en la sombra la pierna, el flanco y el corazón?
¿Quién le llenó su copa en la soledad?
¿Quién lo empujó de golpe a la realidad?
¿Quién lo volvió al suburbio penoso y turbio de la niñez?
¿Quién le gritó en la cara: -Usted no es nada, ya no es usted?
Ya no es usted señor, ya no es usted…

3 comentários:

Anônimo disse...

“De que planeta veio Garrincha?”
(Jornal El Mercurio, do Chile, na Copa de 62)

Anônimo disse...

http://www.jb.com.br/esportes/noticias/2013/01/20/mane-e-o-sonho/
MANÉ E O SONHO
Jornal do Brasil
(Carlos Drummond de Andrade*)

"A necessidade brasileira de esquecer os problemas agudos do país, difíceis de encarar, ou pelo menos de suavizá-los com uma cota de despreocupação e alegria, fez com que o futebol se tornasse a felicidade do povo. Pobres e ricos param de pensar para se encantar com ele. E os grandes jogadores convertem-se numa espécie de irmãos da gente, que detestamos ou amamos na medida em que nos frustram ou nos proporcionam o prazer de um espetáculo de 90 minutos, prolongado indefinidamente nas conversas e mesmo na solidão da lembrança.
Mané Garrincha foi um desses ídolos providenciais com que o acaso veio ao encontro das massas populares e até dos figurões responsáveis periódicos pela sorte do Brasil, ofertando-lhes o jogador que contrariava todos os princípios sacramentais do jogo, e que, no entanto alcançava os mais deliciosos resultados. (...)
Garrincha, em sua irresponsabilidade amável, poderia, quem sabe?, fornecer-nos a chave de um segredo de que era possuidor e que ele mesmo não decifrava, inocente que era da origem do poder mágico de seus músculos e pés. Divertido, espontâneo, inconsequente, com uma inocência que não excluía espertezas instintivas de Macunaíma — nenhum modelo seria mais adequado do que esse, para seduzir um povo que, olhando em redor, não encontrava os sérios heróis, os santos miraculosos de que necessita no dia-a-dia. A identificação da sociedade com ele fazia-se naturalmente. Garrincha não pedia nada a seus admiradores; não lhes exigia sacrifícios ou esforços mentais para admirá-lo e segui-lo, pois de resto não queria que ninguém o seguisse. (...)
A criança grande que ele não deixou de ser foi vitimada pelo germe de autodestruição que trazia consigo: faltavam-lhe defesas psicológicas que acudissem ao apelo de amigos e fãs. Garrincha, o encantador, era folha ao vento. Resta a maravilhosa lembrança de suas incríveis habilidades, que farão sempre sorrir a quem as recordar. (...)
Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”

*Crônica publicada em 22 de janeiro de 1983, no Jornal do Brasil
**Mané a “Alegria do povo” faleceu em 20 de janeiro de 1983 no Rio de Janeiro.

Anônimo disse...

http://www.jb.com.br/esportes/noticias/2013/01/20/mane-e-o-sonho/
MANÉ E O SONHO
Jornal do Brasil
(Carlos Drummond de Andrade*)

"A necessidade brasileira de esquecer os problemas agudos do país, difíceis de encarar, ou pelo menos de suavizá-los com uma cota de despreocupação e alegria, fez com que o futebol se tornasse a felicidade do povo. Pobres e ricos param de pensar para se encantar com ele. E os grandes jogadores convertem-se numa espécie de irmãos da gente, que detestamos ou amamos na medida em que nos frustram ou nos proporcionam o prazer de um espetáculo de 90 minutos, prolongado indefinidamente nas conversas e mesmo na solidão da lembrança.
Mané Garrincha foi um desses ídolos providenciais com que o acaso veio ao encontro das massas populares e até dos figurões responsáveis periódicos pela sorte do Brasil, ofertando-lhes o jogador que contrariava todos os princípios sacramentais do jogo, e que, no entanto alcançava os mais deliciosos resultados. (...)
Garrincha, em sua irresponsabilidade amável, poderia, quem sabe?, fornecer-nos a chave de um segredo de que era possuidor e que ele mesmo não decifrava, inocente que era da origem do poder mágico de seus músculos e pés. Divertido, espontâneo, inconsequente, com uma inocência que não excluía espertezas instintivas de Macunaíma — nenhum modelo seria mais adequado do que esse, para seduzir um povo que, olhando em redor, não encontrava os sérios heróis, os santos miraculosos de que necessita no dia-a-dia. A identificação da sociedade com ele fazia-se naturalmente. Garrincha não pedia nada a seus admiradores; não lhes exigia sacrifícios ou esforços mentais para admirá-lo e segui-lo, pois de resto não queria que ninguém o seguisse. (...)
A criança grande que ele não deixou de ser foi vitimada pelo germe de autodestruição que trazia consigo: faltavam-lhe defesas psicológicas que acudissem ao apelo de amigos e fãs. Garrincha, o encantador, era folha ao vento. Resta a maravilhosa lembrança de suas incríveis habilidades, que farão sempre sorrir a quem as recordar. (...)
Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”

*Crônica publicada em 22 de janeiro de 1983, no Jornal do Brasil
**Mané a “Alegria do povo” faleceu em 20 de janeiro de 1983 no Rio de Janeiro.