domingo, 28 de abril de 2013

Tchekhov

Logo que o incêndio começou, corri para minha casa. Chego e vejo que o prédio nada sofreu, que não está ameaçado. Mas encontro minhas filhas à porta, de camisola, e sua mãe não está lá. Em torno delas há pessoas que se agitam...cavalos, cães que correm, e no rosto das meninas havia uma tal expressão de inquietação, de terror, de súplica, de não sei quê...Quando vi seus rostos, meu coração se confrangeu. Meu Deus, disse a mim mesmo, o que essas crianças terão de viver ainda, no decorrer de uma longa vida! 
Tomei-as nos braços, corri com elas...corri com elas pensando apenas uma coisa: no que elas terão ainda que viver nesta mundo infame. 
Quando aqui cheguei, encontrei a mãe delas gritando, vituperando. Vendo minhas filhas de camisola no degrau da porta, e a rua vermelha de incêndio, e o ruído terrível, pensei que isso deveria assemelhar-se ao que se passava, há muitos anos, quando o inimigo irrompia subitamente e pilhava e incendiava. No entanto, que diferença entre o que foi e o que é! 
O tempo continuará a passar..apenas duzentos ou trezentos anos...e a nossa vida atual parecerá então espantosa e dela rirão...e tudo quanto é o nosso presente será olhado como desastroso, pesado, muito incômodo e estranho. Ah, que vida vai ser, que vida! Perdão, estou filosofando. Permitam-me continuar. Sinto uma necessidade imensa de filosofar. Dir-se-ia que a humanidade toda dorme. E pensava: que vida será essa..a que vai vir?...Reflitam, porém: mulheres como vocês há apenas três nesta cidade. Mas, nas próximas gerações, haverá outras, e outras, e muitas outras...E há de chegar o tempo em que tudo estará mudado, no sentido que vocês têm das coisas...Um tempo em que se viverá como vocês vivem...Até que, mais tarde, vocês serão também ultrapassadas, porque nascerão seres muito melhores...Estou hoje em um estranho estado de espírito...Sinto uma diabólica vontade de rir... 

                                                Tchekhov em: As Três Irmãs

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