quarta-feira, 1 de maio de 2013

Gógol

Como dirigisse a palavra a seres inferiores a ele, seria num tom áspero e para colocar o mais das vezes uma das três questões: "De onde tirou esta arrogância? Sabe com quem está falando? Sabe diante de quem se encontra?
Era, pois, um homem correto, muito solícito e, anteriormente, de uma convivência agradável com seus amigos. Ocorre que o título de Excelência havia dado uma reviravolta completa em sua cabeça. Desde que obtivera este título, seu espírito desviou-se e ele perdeu todo controle de si mesmo. Com aqueles que tinham o mesmo nível que ele, ainda que se conduzia como um homem de boa educação, nem um pouco tolo sob muitos aspectos, mas se acaso se misturasse a seus companheiros alguma pessoa inferior ao lugar que ele ocupava na hierarquia, nem que fosse um só grau, ele se tornava de imediato insuportável, esquecendo toda a boa educação e não dizendo nem mais uma palavra. Isso não o impedia de perceber que ele poderia passar o tempo de uma maneira muito mais agradável. Dava então pena de ver: lia-se em seus olhos o vivo desejo de tomar parte de tal conversação, de se misturar a tal grupo, ao mesmo tempo que sentindo que ele estava travado pelo temor de comprometer sua dignidade, de causar algum dano ao seu prestígio. À força de isolar-se num silêncio hostil entrecortado por vagos monossílabos, ele passava pelo mais perfeito dos patetas do mundo. 

                                                 Nicolai Gógol em: O Capote

Um comentário:

Anônimo disse...

“Augusta pôs-se a rir gostosamente, declarando que eu não passava de um doente imaginário. Sobre a face emaciada de Coper passou algo como um ressentimento. Súbito, virilmente, libertou-se do estado de inferioridade a que parecia condenado, acrescentando com grande ênfase:
- Doente imaginário? Pois bem, prefiro ser um doente de verdade. Antes de mais nada, um doente imaginário é uma monstruosidade ridícula; além disso, para ele não existem remédios, ao passo que a farmácia, como se vê por mim, dispõe sempre de alguma coisa eficaz para os verdadeiros doentes!
Suas palavras pareciam as de um homem são e eu – quero ser sincero sofri com elas.”

Italo Svero in “A Consciência de Zeno”, 2003, p.152.