quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Tijolaço: De Chaplin, para os homens sem alma

Este blog não tem por hábito reproduzir artigos de outros blogs, todavia, abrirá uma exceção para transcrever o texto contundente e emocionado do jornalista Fernando Brito, retirado do blog http://www.tijolaco.com/




Os que defendem  que, em nome da lei, seis mil pessoas possam ser tangidas de suas casas, como se fossem animais, sem que, ao menos, antes de fazerem isso, se preocupem em ordenar, também, e com maior firmeza,  que fossem tratados com dignidade, com respeito, que suas crianças fossem abrigadas, que suas vidas – arrancadas dos lares de oito anos – não fossem dilaceradas, deveriam ouvir as palavras de Chaplin nas cenas finais do filme “O grande Ditador”.
Um pobre barbeiro judeu, por ser sósia do ditador Hinkel, ditador da Tomânia, vai parar em seu lugar no momento de um grande discurso de guerra.
Chaplin reproduz, no seu primeiro filme falado, um sentimento que, quem dera, estivesse presente no coração dos homens que têm poder sobre a vida de outros homens, mulheres e crianças.
Quem sabe os doutos desembargadores possam ouvir o que diz o genial vagabundo, a quem Carlos Drumonnd disse: velho Chaplin, as crianças do munto te saúdam.

                  Fernando Brito em "O Tijolaço"

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A barbárie



Reintegraçao de Posse - Pinheirinho/2012
 
"Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...
Ademais não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos?...
E de que modo comentaríamos, coma só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho que se nos entregara, confiante – e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história?
Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas. (..)"

    Descrição da queda de Canudos em 1897 - Euclides da Cunhas em: "Os Sertões"

domingo, 22 de janeiro de 2012


Os Olhos Fechados, de O. Redon

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
             De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, - a natureza externa, -
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
            Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, de outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro
                                                             orgulho

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia - e dorme.

                  Machado de Assis em: "O Almada e Outros Poemas"

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Elis Regina


"Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina de Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo”.

 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012


A Poesia

E foi nessa idade...Chegou a poesia
para buscar-me. Não sei de onde
saiu, do inverno ou do rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não
palavras, nem silêncio,
mas desde uma rua que me chamava,
desde os ramos da noite,
de súbito entre os outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.
Não sabia o que dizer, a minha boca
não sabia,
nomear,
meus olhos eram cegos,
algo me golpeava a alma,
febre ou asas perdidas,
fui me fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
brincadeira,
pura sabedoria
de quem não sabe nada,
e vi de súbito
o céu
debulhado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
atravessada
por flechas, fogo e flores
a noite agasalhadora, o umiverso.

E eu, um mínimo ser,
ébrio do vazio enorme
constelado,
à semelhança, à imagem
do mistério,
senti-me parte pura
desse abismo,
girei com as estrelas,
meu coração se desatou no vento.

                      Pablo Neruda em: Memorial de Isla Negra

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Gabriel Garcia Márquez

 

"(...) acabou pensando nela como jamais imaginara que se pudesse pensar em alguém, presentindo-a onde não estava, desejando-a onde não podia estar, acordando de súbito com a sensação física de que ela o contemplava na escuridão enquanto ele dormia... De maneira que na tarde em que sentiu seus passos resolutos no tapete de folhas amarelas da pracinha custou a crer que não fosse outro embuste da sua fantasia".

                                 Gabriel Garcia Márquez em: O Amor nos Tempos do Cólera

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Machado de Assis

Continuando...

"(...)Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da consciência para a inconsciência, onde se faz a elaboração confusa das ideias, onde as reminiscências dormem ou cochilam. Aqui pupula a vida sem formas, os germens, e os detritos, os rudimentos e os sedimentos; é o desvão imenso do espírito. Aqui caíram eles, à procura um do outro, chamando e suspirando."

                                     Machado de Assis em: Várias Histórias 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Machado de Assis

É impressionante o frescor da obra literária de Machado de Assis. Nesse período de férias, andei passeando pelos seus contos. Trago aqui um trecho de um dos meus preferidos, porém pouco conhecido: "O Cônego ou Metafísica do Estilo". Trata-se da narrativa do processo de criação de um sermão de casamento. 


"(...) Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha, que, ainda assim, não é a principal, mas a base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda a sorte de vocábulos está assim dividida por motivo da diferença sexual...
- Sexual?
Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psicolexicológica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavras tem sexo.
- Mas, então, amam-se umas às outras?
Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos de estilo." 

                                                   Machado de Assis em: Várias Histórias