sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


O texto que segue se passa no meu sonho, sonho literal, daqueles que acordam a gente no meio da noite. Pois bem, despertada por ele, dei a noite por encerrada e tratei de narrá-lo. Ao reler o texto, levei um susto. Lembrei que existe uma crônica do Rubem Braga na qual o narrador segue uma borboleta pelas ruas do Rio de Janeiro. Quer dizer, insconscientemente, fui influenciada por ele. De plágio ninguém poderá me acusar porque a crônica do Rubem era boa, ou melhor, extraordinária. Quem tiver paciência, a minha, bem chinfrinzinha, aí está...      



              Tentava concluir a última tarefa do extenuante dia de trabalho, quando, a procura de uma fresta de natureza ou algo que me restituísse a humanidade, desviei os olhos do computador e mirei a janela. Uma borboleta com todas as matizes de cores se acomodara num canto da janela. A bem da verdade,  era preta salpicada de cores vibrantes, vermelho, amarelho, branco e azul. O preto ao fundo, as outras cores se sobrepondo a ele,  foi  o que extraí da minha análise superficial, a única possível naquele átimo que meu ofício me concedera para investigar esteticamente a borboleta. Entao, conclui que preto era a sua cor original, posteriormente, a vida lhe fora cobrindo de outras cores, e que lhe caiu bem aquela mistura. Era uma borboleta exuberante.
                 Depois, o correr da lida me levou para longe da borboleta. Findo o dia, ela havia desaparecido. 
Já no momento seguinte, andava por uma rua de Botafogo. Cruzo a esquina e dou de cara com a borboleta pousada numa florzinha. Desta vez, ela estava frenética, ia de um lado a outro em movimentos bruscos e rápidos, destoantes da delicadeza característica de uma borboleta. 
Esta alucinada borboleta me despertou a atençao de tal modo, que desviei do meu percurso inicial e do objetivo de nao me atrasar para a reuniao, e seguimos juntas o seu desconhecido itinerário. 
              Intrépida, ela seguia adiante, pousando na árvore em frente, enquanto eu hesitava em acompanhá-la. Lembrei que no dia anterior, eu a perdera. Nao queria tal desencontro novamente. Ocorreu-me também que as oportunidades nao costumam se repetir. E se  a perdesse para sempre?  O passo seguinte foi atravessar a rua no seu encalço e torcer para que ninguém tivesse observando aquela cena ridícula.
              Ela segue, alheia ao meu interesse, até um parque. Sobrevoa as pessoas deitadas na grama absortas em suas leituras, trafega entre os namorados e segue obstinada seu destino. Chega à uma galeria. Sem cerimônia, adentra. Eu a acompanho. Atravessamos um corredor escuro e, ao dobrarmos, uma luz fraca na parede ilumina uma tela. Reconheço que estou na exposiçao dos impressionistas. Ela pousa em outro quadro. Meu coraçao dispara, um vento gelado percorre minha alma.. na parede escolhida por ela "Noite estrelada sobre o Rhone" e toda a grandeza do Van Gogh. Sim, existe o céu sobre nós e existe o céu de Van Gogh! Ela também se emociona, imagino eu, e ficamos nós duas estáticas. Neste momento, ela desapareceu do meu sonho. Era apenas eu no céu de Van Gogh. 
                Subitamente,  a luz se apaga e, no intante seguinte, nao estou mais na exposiçao. Nao sei como sai, nao sei nem se sai. A trama onírica tem seu ritmo próprio. 
                 Estou na rua novamente, retorno à rua de Botafogo. A borboleta ressurge em outro arbustro. Daí parte para descansar em uma placa de sinalizaçao. Quando me aproximo, ela, na mesma velocidade acelerada da cidade, corre e dobra a esquina. Outro corredor escuro (na paisagem esquisita do meu sonho uma esquina de rua se encerra num corredor de uma casa). Desta vez uma música longe, porém, intensa. Esqueço a borboleta e, agora, só acompanho a música que irá me conduzir. A medida que caminho,  a música se aproxima, inclusive da minha alma. E sou tomada por aquela sonoridade violentamente apaixonada, e sua força melódica me empurra bruscamente para a sala. Acontecia, ali, um ensaio de tango. Quando recobro a lucidez, reconheço um dos alunos: um amigo, ali, em carne, osso e puro lirismo. 
               Via-o, mas ele nao me via. Nao sei se por conta da concentraçao, se eu estava invisível, enfim, por algum motivo que minha construçao psiquica engendrou, ele nao me notava. O que nao foi de tudo ruim, já que assim poderia ficar à vontade para apreciar aquela atmosfera musical e observar sem ser observada (coisa que eu adoro fazer).
                 Pondero que um lugar mais atrás me asseguraria o anonimato.  Havia uma cadeira no cantinho da parede, quase atrás da cortina. Ao me acomodar na cadeira, vejo que estou numa das cadeiras da sala de reunião para a qual seguia quando fui abordada pela borboleta. No lugar do professor de tango e seus aplicados alunos, três palestrantes discutem conjuntura política internacional.
    

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