domingo, 31 de março de 2013

Pablo Neruda

Talvez os deveres do poeta fossem sempre os mesmos na História. O valor da poesia foi sair à rua, foi tomar parte num e noutro combate. Não se assutou o poeta quando o chamaram de rebelde. A poesia é uma insurreição. Não se ofendeu o poeta porque o chamaram de subversivo. A vida ultrapassa as estruturas e há novos códigos para a alma. De todas as partes salta a semente, todas as ideias são exóticas, esperamos a cada dia mudanças imensas, vivemos com entusiasmo a mutação da ordem humana: a primavera é insurrecional.

Dei tudo o que tinha. Lancei minha poesia na arena e muitas vezes sangrei com ela, sofrendo as agonias e exaltando as glórias que me coube presenciar e viver. Algumas vezes fui incompreendido, e isto não é de todo mau. 

                       Pablo Neruda em: Confesso que Vivi

sábado, 30 de março de 2013

Los Olimareños

La Partida
                                                       
                                                       E viva nuestra América!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Darcy Ribeiro

 Termino essa minha vida exausto de viver, mas querendo ainda mais vida, mais amor, mais travessuras. A você que fica aí inútil, vivendo essa vida insossa: só digo: - Coragem! Mais vale errar se arrebentando do que preparar-se para o nada. O único clamor da vida é por mais vida bem vivida.  Essa é, aqui e agora, a nossa parte. Depois seremos matéria cósmica. Apagados minerais. Para sempre mortos.  


                        Darcy Ribeiro em: Confissões

quinta-feira, 28 de março de 2013

Clarice Lispector


Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

                                                                   Clarice Lispector 

segunda-feira, 25 de março de 2013

Carlos Drummond de Andrade



Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

                                                          Carlos Drummond de Andrade

domingo, 24 de março de 2013

Charles Baudelaire


EMBRIAGUEM-SE


É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.


E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

                       Charles Baudelaire em: Pequenos Poemas em Prosa 

sábado, 23 de março de 2013

Pablo Neruda

"O trabalho dos escritores, digo eu, tem muito em comum com o daqueles pescadores árticos. O escritor tem que buscar o rio e, se o encontra gelado, precisa perfurar o gelo. Deve esbanjar paciência, suportar a temperatura e crítica adversas, desafiar o ridículo, buscar a corrente profunda, lançar o anzol justo e, depois de tanto trabalho, tirar um peixinho mínimo. Porém deve voltar a pescar, contra o frio, contra o gelo, contra a água, contra o crítico, até recolher cada vez uma pescaria maior."
  
                                         Pablo Neruda em: "Confesso que Vivi"

quinta-feira, 21 de março de 2013

Astor Piazzolla

Um dos tango mais lindo que conheço..
                                                     Adiós Nonino, Astor Piazzolla

terça-feira, 19 de março de 2013

Eduardo Galeano


"Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças."

                                                                 Eduardo Galeano

segunda-feira, 11 de março de 2013

Mia Couto



Identidade

Preciso de ser outro
para ser eu mesmo




Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato
morro
no mundo por que luto
nasço.



                                     Mia Couto em: "Outros Poemas e Raiz de Orvalho"


     

terça-feira, 5 de março de 2013

Alí Primera

Os que morrem pela vida não podem chamar-se mortos

Alí Primera, cantor e compositor venezuelano



segunda-feira, 4 de março de 2013

Vinícius de Moraes

                                                          O Beijo, de Auguste Rodin

É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado... Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que freqüentemente aquela que devia ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram. 


E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.


                                 Trecho da crônica: "O amor por entre o verde"
                                                 Vinícius de Moraes

sábado, 2 de março de 2013

José Saramago

"Para mim, o ideal de vida é ser uma árvore. A árvore está ali, alimenta-se diretamente do chão, da terra, cresce, abre-se, dá flores se é árvore para dar flores, ou frutos, se der, e vive o tempo que tenha de viver. Uma sequoia vive mil anos, há oliveiras no nosso país que são centenárias e várias vezes centenárias, mas tudo acaba. Se se derreterem os gelos do Ártico...vamos ficar debaixo de água. Um dia a Terra desaparece, o Sol apaga-se, o sistema solar acaba e o Universo nem sequer se dará conta de que nós existimos. O Universo não saberá que Homero escreveu a Ilíada."  
                                     José Saramago em: "José e Pilar"