" É dentro da unidade da nossa diversidade que habita o coraçao do povo que somos."
Antônio Nóbrega
Conversas boas sáo festas na alma. Existem pessoas com as quais as conversas nao se encerram na mesa do bar. Despedimos, cada um para sua casa, e o papo segue dentro da gente, perturbador.
Este é um dos assuntos que me acompanhou à casa, dormiu comigo e agora, desavergonhadamente, continua aqui..
Entre um chopp e outro, muito mais assunto, do prosaico à psicanálise. Tudo dá samba! Samba bom, harmonioso, vibrante, como tem que ser, como foi o nosso papo...mas se o funk é lembrado e surge atropelando meu samba, aí sou incisiva.
Este blog nao se propõe a falar mal de ninguém, ou de nada, ele quer somente exaltar a nossa arte. Mas quando o mal gosto, expressáo muito usada por Ariano Suassuna, ameaça a beleza da cultura popular, essencialmente brasileira, eu me ponho a bradar.
Os artistas populares povoam meu imaginário pessoal, andam comigo, vivem comigo, ora me desordenam, ora me rearrumam. Mas também sáo parte de uma memória maior, a memória coletiva nacional. Carregam consigo a memória da trajetória de um povo e, por isso, sua arte é o espelho de uma naçao.
E por falar em Ariano Suassuna, é bom lembrar que ele é também um militante da cultura popular. O sertanejo pula das páginas de seus livros e se apresenta muito além do sotaque de novela das oito. É o Brasil real, como ele diz, que se mostra: mitológico, rico, sofrido e criativo. Já ganhou a pecha de arcaico, mas nao liga. Segue palestrando por este país, levantando e defendendo a bandeira da cultura popular, seja na música, na língua (também ameaçada com exagero de estrangerismo), na literatura, sempre com unhas, dentes e verbo.
Ameaçado também está o samba, expressáo mais emblemática de um povo vibrante e alegre. Os tambores, que resistem há mais de duzentos anos, estáo sendo calados pela batida do funk; nossos tamborins estáo esfriando ante ao apelo sedutor da cultura de massa, pasteurizadora e vulgarizadora da arte. Sem entrar na seara sociológica da questáo, o fato é que é um fenönemo muito intenso nos suburbios e morros do Rio de Janeiro, o nascedouro do samba, que nos deu tantos talentos. O samba desceu o morro e passou a ser reduto da classe média; já nossos jovens das comunidades estáo cada vez mais seduzidos pela batida pobre do funk.
Triste constatação. Um povo só constitui como tal quando se identifica culturalmente. A uniformizaçao destrói a diversidade - nosso bem mais precioso. Por isso, o funk é, ao meu ver, nefasto.
A cultura de um povo está instrinsecamente ligada à sua autoestima. Quanto isto é perdido, o que sobra é uma sociedade amorfa e sem identidade. Perde-se a noçao de pertencimento. A alegria e a criatividade, táo características do nosso povo, dão lugar a uma imitaçao barata do que há pior na cultura estadunidense.
A arte é também instrumento para formar cidadaos críticos. A nossa cultura popular precisa de militäncia, como faz Ariano Suassuna, para nao sucumbir ante ao processo em curso de sua descaracterização.
Êta que esse chopp rendeu...